selfcare - uma narrativa que beneficia quem?
conceito de bem-estar ou de marketing?
Selfcare s. m. (auto-cuidado)
Prática de agir para preservar ou melhorar a própria saúde (Oxford Dictionaries). Pode ser tão simples (e gratuito) como fazer uma caminhada, ou complexo como redefinirmos quem somos.
Pode incluir, mas não se limita a:
dizer não, comprar coisas ou recusar comprar coisas
fazer exercício
trabalhos manuais
passar tempo sozinha
Tenho refletido no que chamamos de selfcare, auto‑cuidado, e no que o algoritmo tenta vender‑nos com esse nome. O que deveria ser um conceito de bem‑estar, práticas simples que mantêm o corpo e a mente, transformou‑se numa indústria que se aproveita de inseguranças e da tendência natural do cérebro para procurar dopamina fácil.
Mais um produto, mais um curso, mais um retiro. Há sempre uma solução para “melhorar” a nossa vida. Parece que estamos sempre um passo atrás de sermos a nossa melhor versão. Há sempre alguém que tem as maiores certezas de como devemos viver a nossa vida. E o que nos falta é este produto, ou esta rotina. Que prometem transformar os meus olhos amendoados com gua-sha, que têm a cura para espasmos oculares, num curso de $500 se comentar CORTISOL (para espasmos oculares, cãimbras, a solução é magnésio).
Claro que é normal estarmos perdidas. Numa cultura de superficialidade, de invasão que nos faz sentir que nos falta sempre algo.
E alguns vídeos de selfcare nas redes sociais são apenas possíveis para quem não trabalha a tempo inteiro e não tem outras responsabilidades. Eu li um texto de alguém que acorda às 2:30 da manhã e confesso que tive que fazer scroll no texto porque achei que era uma crítica hiperbolizada, mas não, uma realidade que alguém acha fazível com um bebé e a trabalhar a tempo inteiro. Nunca vamos ganhar se nos compararmos com as redes sociais.
Há uma narrativa insistente: não estás a fazer selfcare suficiente, e fazer “auto‑cuidado” significa quase sempre comprar X ou Y. É um ciclo que beneficia quem vende e que nunca termina. E quase sempre aponta às mulheres, com a expectativa de estarmos sempre bem, mais um glow‑up, mais um gesto “necessário”, must-have dizem, que nos rouba tempo e, surpresa das surpresas, dinheiro.
Não sou contra produtos (e tenho uma rotina de cosméticos que podia ser simplificada), sou muito mimada, nem sou totalmente imune ao marketing, e definitivamente não sou contra o prazer de certas experiências. E ainda hoje comprei 2 embalagens de máscaras de tecido, visto que parti um dedo do pé e estou em quarentena (não é, mas parece!).
Sou muito a favor que nos alinhemos com a nossa melhor versão, e que consigamos melhorar a nossa qualidade de vida, saúde e pele, mas raramente o vamos encontrar com informação a ser bombardeada a cada Reels.
E quando o cuidado é apenas uma performance, sublinha o que não somos, o que não temos, compara‑nos a outros e faz‑nos sentir que não somos suficientes, deve ser analisado com discernimento.
E comprar flores frescas dá-me mais prazer do que queimar uma vela de 70 euros. Tealight candles dão-me o mesmo prazer e custam 10x menos (eu sei!). Ter uma rotina de cosmética que funciona, com produtos que adoro e quero comprar de novo é mais satisfatório que andar sempre atrás da última novidade.
Em vez de mais coisas, o que me tem ajudado é ter intenção e presença. Gosto de manter duas ideias ao mesmo tempo (o chamado yes, and em inglês): posso gostar de produtos e, ao mesmo tempo, não precisar deles para me sentir bem. Posso comprar máscaras de tecido, e ainda assim saber que o que é importante é uma rotina de skincare consistente, sono com qualidade, mexer o corpo e falar com quem me faz bem.
As formas de auto‑cuidado que me são mais importantes são simples, muitas vezes grátis e raramente ficam bem nas redes sociais.
RITMO CIRCADIANO
Apanhar luz solar pela manhã (sem óculos de sol)
Não olhar para o telemóvel na primeira hora da manhã (o meu telemóvel fica noutra divisão da casa, o que me ajuda a obrigar a levantar quando o despertador toca, e tenho as apps silenciadas das 23h-8h da manhã)
Dormir o suficiente, de preferência entre as 22h e as 23h
MENTE
Meditação - uso o Insight Timer, que é grátis, porque só preciso de um timer e do meu mantra. Mas sei que os cursos de Meditação Transcendental (que é o que eu pratico) são, na maioria, caros, mas o Insight Timer e o YT têm boas meditações grátis
Terapia
Diário de gratidão
Conversas honestas e sem filtro
Ler antes de dormir
Colorir (só preciso de um conjunto de lápis e alguns livros de colorir)
CORPO
Suplementos - vitamina D + K2, Magnésio, creatina
Fazer exercício. Gosto de fazer InsideFlow, um tipo de yoga e quando estou a dar aulas na universidade e tenho horários mais desafiantes faço Pilates with Izzie no YT
Auto‑cuidado, para mim, é escolher o que me aproxima de mim. Como me cuido para me sentir bem - fisicamente, emocionalmente, mentalmente. Aceitar que nem tudo o que me faz bem é fácil, bonito e fica nas redes sociais (quem aprendeu a dizer que não em adulta sabe do que falo, por exemplo). É aceitar que a vida tem estações: há fases de expansão e há fases de recolha.
Questões para refletir. O que é auto‑cuidado real para ti neste momento? Que hábitos simples te têm ajudado?




